Seja-me permitido entrar num tema que é vital para a nossa existência: a graça da oração. Como graça, é livre dom de Deus, jamais merecido por nós. Num dos mais belos episódios do Evangelho, os Apóstolos pedem: “Senhor, ensina-nos a rezar” (Lc 11,1). Este é o melhor pedido que podemos fazer a Jesus. Foi assim que Ele nos deixou o Pai-Nosso, a oração cristã por excelência, a partir da qual se desdobram todas as escolas e modalidades de oração.
Mas, o que é oração? Reflitamos sobre a espontânea, porém profunda definição de Santa Teresinha de Lisieux: “A oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu, um grito de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria”.
Sob um enfoque teológico, eu diria que oração é o falar divino. Quando fomos batizados, recebemos a vida divina, fomos enxertados em Cristo, como nos diz São Paulo. Em conseqüência, participamos de sua Paixão, Morte e Ressurreição (cf. Rm 6,1ss). Tamanha intimidade com o Senhor nos proporciona os meios mais diretos para ouvirmos e acolhermos esse falar divino. Se não o fazemos, é porque estamos nos fechando à gratuidade desse dom.
Existem, também, definições de oração muito simples, que nascem da experiência cotidiana com Cristo. Quero lembrar um episódio, que já mencionei num artigo anterior, e data dos meus tempos de pároco em Taubaté. Certo dia, encontrei um homem, diante da imagem do Cristo crucificado, rezando como que absorto em êxtase. Fiquei lá, tentando reproduzir aquela experiência na minha própria oração, mas não consegui. Depois que ele terminou, conversávamos fora da Igreja, e perguntei-lhe o que era oração. Respondeu-me, com toda a sua simplicidade: “Eu acredito, Pe. Eusébio do céu, que a oração é estar todo ali só para Deus, porque Ele está todo ali só para mim”. Essa é, realmente, a mais perfeita forma de oração, especialmente apropriada quando estamos diante da Eucaristia. É a oração contemplativa.
O Concílio Vaticano II deu um grande estímulo à oração e à renovação litúrgica. O primeiro documento elaborado, naquela ocasião, foi a Constituição Sacrosanctum Concilium, exatamente sobre a Liturgia. Não pensemos, porém, que o Concílio tenha mudado a doutrina da Liturgia, ou de qualquer outro conteúdo da nossa fé. Ele apenas especificou os modos de celebração e acentuou os conteúdos mais vitais, não só da Eucaristia e da Missa, mas também dos demais Sacramentos e orações litúrgicas. Ainda assim, tudo isso não abarca, nem chega a esgotar, a riqueza da oração das pessoas e dos grupos humanos. Por isso, a atualização da Liturgia sempre tem continuidade, pois faz parte da Tradição viva da Igreja.
Thomas Merton, grande escritor, e um dos maiores intelectuais dos EUA, no século passado, dizia que os mosteiros devem ser “academias de oração”. Aceito plenamente essa definição que, aliás, podemos constatar na prática de nossas comunidades orantes de consagrados e consagradas. Esta foi outra conseqüência do Concílio: o desenvolvimento da espiritualidade e da oração. Entre os leigos, surgiram movimentos, especificamente, dedicados à oração, como a Renovação Carismática Católica e, posteriormente, as Oficinas de Oração, sob a orientação do Fr. Inácio Larrañaga.
Poderíamos enumerar muitas orações que, embora não sendo de cunho litúrgico, continuam compondo o patrimônio católico, pela profunda receptividade que obtiveram junto ao povo fiel. Uma das mais importantes é o Rosário, enriquecido pelo Papa João Paulo II, através de sua Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae. Recordamos, também, a Via-Sacra, que tem suscitado a oração contemplativa de gerações de fiéis, sobre as etapas da Paixão e Morte do Senhor.
O Ângelus é outra jóia da tradição eclesial, que mantém vivo o costume milenar da oração nas várias horas do dia, além de nos propiciar o louvor à nossa querida Mãe. Outra oração digna de destaque é o Glória, que introduz, com a adoração à Trindade, todos os contextos de nossa vida e nossas atividades.
A oração mental, pela qual nos dirigimos, particularmente, a Deus, é outra forma riquíssima de rezar. Santa Teresa d’Ávila, também Doutora da Igreja, nos ensina: “A oração mental, a meu ver, é apenas um comércio íntimo de amizade, em que conversamos muitas vezes a sós com esse Deus por quem nos sabemos amados”.
Conheço outro belo testemunho pessoal sobre o assunto, também muito rico na sua simplicidade. Estes dias, alguém me contava como começou seu hábito de oração. Ele fora abandonado pela mãe, sendo ainda pequeno, e o pai morreu muito cedo. Vendo-se desamparado, encontrou sua força em uma folha de orações, que tinha debaixo da cama, e que guarda consigo, até hoje. À noite, antes de deitar, sempre repetia aquelas orações. “E nunca me senti só”, foi a afirmação dele. Esta é uma inestimável lição para nós. Quem adquiriu o hábito de rezar na infância, nunca se tornará ateu ou perderá o gosto pela oração... Ainda que tenha começado com uma folha debaixo da cama.
A oração é diálogo com Deus, que nos fala, diretamente, como a amigos, conforme concedeu a Moisés (cf. Ex 33,11). Também dialoga conosco, através do mundo criado. Se, por exemplo, sorvo um copo d’água e agradeço a Deus por isso, tornei a água instrumento de oração. Os passarinhos cantam, e não sabem porquê. Mas se eu louvo o canto dos pássaros, se admiro a beleza divina, espelhada nas flores, estou dando linguagem, finalidade e coração ao mundo criado. Eis a beleza da oração de todas as coisas, quando, meditando sobre o mundo criado, falamos com Deus.
São Paulo, na Carta aos Romanos, diz: “A criação aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus. Pois a criação foi sujeita à vaidade (não voluntariamente, mas por vontade daquele que a sujeitou), todavia com a esperança de ser também ela libertada do cativeiro da corrupção, para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Pois sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia” (Rm 8,20-22).
O mundo do trabalho manifesta essa realidade da criação, na qual o homem é chamado por Deus a intervir. E o faz mediante esforços e sacrifícios, heranças do pecado das origens: “Tirarás da terra, com trabalhos penosos, o teu sustento todos os dias de tua vida” (Gn 3,17). Mas a oração é capaz de invocar o auxílio divino em todas as circunstâncias, de modo que, afinal, cada trabalhador, cada profissional possa exclamar, com gratidão: “Coroastes o ano com vossos benefícios; onde passastes ficou a fartura” (Sl 64[65],12).
Tomo Posse da Graça de Deus...
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