BRASÍLIA - A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar inconstitucional a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010 não deverá alterar de forma significativa a correlação de forças políticas na Câmara. A avaliação foi feita nesta quarta-feira pela maioria dos deputados ouvidos pela Agência Câmara.
“Não sabemos exatamente o alcance da decisão, o que muda aqui em termos de representação nas bancadas. Vai ter repercussão, sim, mas não acredito que ela modifique a correlação de forças”, disse o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM). Para ele e para outros parlamentares, as mudanças serão pontuais e não devem afetar a direção dos partidos ou o alinhamento com governo e oposição. “A mudança vai ser superficial”, concordou o deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP).
A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) entrou em vigor no dia 4 de junho do ano passado e criou novas hipóteses de inelegibilidade. A maioria dos tribunais eleitorais, de primeira e segunda instâncias, aplicou a lei para os candidatos na eleição passada, o que implicou em centenas de cassações de registros – o número exato não é conhecido.
Anterioridade
Por seis votos contra cinco, o STF decidiu nesta quarta-feira que a aplicação da lei violou o princípio da anterioridade, previsto no artigo 16 da Constituição. O dispositivo estabelece que uma lei que modifique o processo eleitoral somente será aplicada a partir de um ano da data de sua vigência. No caso da Ficha Limpa, só valerá a partir do pleito de 2012.
Com isso, os candidatos barrados na Justiça Eleitoral por causa da lei que conseguiram votos suficientes para serem eleitos têm a possibilidade de vir a tomar posse.
O julgamento no Supremo acabou com uma indecisão que durava desde o ano passado, quando por duas vezes os ministros discutiram a questão e houve empate – cinco votos para cada lado. Com a posse do ministro Luiz Fux, neste mês, a questão foi decidida contra a anterioridade da norma.
Apesar de não acreditar em grandes mudanças, o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) fez uma ressalva: para ele, mesmo com a decisão de ontem, ainda restam algumas questões em aberto. Segundo o parlamentar, os candidatos que foram ao STF podem entrar com ação rescisória (usada para impugnar decisões judiciais) para tentar tomar posse. Os que não foram à Justiça Eleitoral poderão não trilhar o mesmo caminho, pois não existe esse tipo de instrumento no direito eleitoral. “As coisas ainda estão embaralhadas. O imbróglio permanece”, disse Garotinho.
Efeito político
A concordância quanto ao efeito partidário de decisão não se repetiu quanto ao efeito político. Os parlamentares divergiram sobre o acerto do julgamento. Para o deputado Garotinho, por exemplo, os ministros do Supremo mostraram, de forma correta, que estão mais preocupados com o respeito ao texto constitucional do que com a opinião das ruas. “O STF é guardião da Constituição”, afirmou.
Na mesma linha, o deputado Gastão Vieira (PMDB-MA) afirmou que a decisão põe fim à insegurança jurídica que imperava no processo eleitoral. “O voto do [Luiz] Fux foi acertado. Havia uma balbúrdia jurídica tão grande que hoje respiramos mais aliviados. Teremos clareza, a partir de agora, da interpretação eleitoral”, disse Vieira. Ele destacou que a questão era tão complexa que o Supremo precisou de três votações para chegar a uma decisão, e mesmo assim sem maioria ampla.
O deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG) lembrou que a decisão não acaba com a lei, apenas limita no tempo os seus efeitos. “A sociedade ganha na medida em que o STF mostra que existe uma segurança jurídica. A lei está valendo, mas dentro do que a Constituição prevê”, disse.
Sociedade
Do outro lado, parlamentares como Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), Ivan Valente (Psol-SP) e Pauderney Avelino criticaram a decisão final, que frustra os anseios da população. “A sociedade sai perdendo. Na prática, a decisão do Supremo equivale a uma anistia. Todos os corruptos do País vão jogar no lixo as condenações”, disse Paulo Rubem Santiago.
O deputado Ivan Valente foi mais longe e afirmou que o Supremo “desrespeitou” o povo brasileiro. “Acho que os ministros não devem dar votos que não estejam sintonizados com a sociedade. A tecnicalidade não pode estar acima do interesse público”, afirmou. O Psol poderá perder uma vaga no Senado com a determinação.